Existem muitos conceitos para definir o que é ser empreendedor. Para
Louis Jacques Filion, professor e escritor canadense, especialista em
empreendedorismo, empreendedor é uma pessoa que imagina,
desenvolve e realiza visões. E foi assim que o desenvolvedor, Leandro
Navatta, aos 13 anos de idade, criou seu primeiro sistema para controle
de gastos, após sua mãe chamar sua atenção, por ter feito uma dívida na
cantina da escola. Formou-se em Ciência da Computação pela
Universidade de São Paulo, criou vários projetos, entre eles o aplicativo
“Preço do Litrão” que ficou muito conhecido e foi pauta em vários veículos
de comunicação. Há três anos, Leandro está no comando da Kingly Studio,
sua empresa de soluções tecnológicas que atende pequenas e grandes
marcas do mercado. Confira a seguir, o bate-papo que tivemos com ele.
Fatec: Poderia começar falando um pouco sobre sua trajetória
profissional? Por que decidiu criar sua própria empresa?
Leandro: A minha trajetória profissional é uma coisa meio engraçada
porque comecei a programar quando tinha 13 anos, eu estava devendo
muito dinheiro na cantina da escola, e minha mãe brigou comigo, me justifiquei
falando que pedia as coisas e eles me davam e ela disse que eu estava pedindo além do
que tinha em conta, o que a deixou negativa. Além da descoberta do
conceito de cheque especial e dívida (risos) eu fiz meu primeiro sistema,
que era uma calculadora básica na verdade, de gastos e recebíveis, então
eu recebia minha mesada e fiz um “sisteminha” para saber o quanto
exatamente eu gastava e quando deveria parar de gastar. Vi a
tecnologia servindo para um objetivo prático. E com o tempo fui
aprendendo “a coisa” e a minha pegada nunca foi de fazer curso, aprender
por aprender, sempre tive o foco de aprender para resolver alguma coisa.
Eu ia tendo necessidades, aprendia coisas novas para suprir essas
necessidades. O Google foi ajudando cada vez mais (risos)…
Então me formei no colégio, já visando computação, porque era uma
matéria com que eu já trabalhava, e recebia por isso fazendo freelancer.
Tive empresas pequenas que a gente foi tentando fazer e lançando aos
poucos. Entrei na faculdade, fiz um estágio, foi uma das piores
experiências que eu tive (risos) porque esse estágio me ensinou a como
não fazer as coisas. Às vezes o time estava desalinhado, isso acontece
muito, uma pessoa terminava uma coisa só que a outra não tinha
terminado ainda para entregar na linha de produção. E mesmo não tendo
o que fazer a gerência não nos deixava entrar em redes sociais para que nos distraíssemos
e falavam para inventarmos o que fazer. Tive que começar a
enrolar, uma coisa que não gostava de fazer, ficava apagando e
reescrevendo as linhas de programação, para gastar o tempo. Então vi
como não queria trabalhar, mas é claro, aprendi muito. Foi meu primeiro
contato formal como funcionário.
No 2º ano da faculdade, quando fazia parte do diretório acadêmico, eu e
um amigo resolvemos criar uma empresa para eventos de faculdade e
falimos no primeiro evento! (Risos) Sempre víamos o conceito de festa
open bar em São Paulo, então resolvemos aplicar o conceito em uma
cidade do interior de Minas, chamada Jacutinga. A cidade nunca havia tido
uma festa nesse molde. Vimos uma oportunidade de mercado, ainda mais
por ter muitas faculdades nas cidades em volta. E aprendemos muito, o
prejuízo não foi monstruoso, no interior as coisas são muito mais baratas.
É preciso estudar o potencial de mercado, quando se é de um diretório
acadêmico, se tem um público garantido, pelo menos um certo
percentual, e lá não, tivemos que fazer anúncio no rádio e entregar
panfletos nas portas das faculdades. Rolou a festa, tomamos um prejuízo
e nos perguntamos o porquê, quem foi à festa , amou, mas contávamos com mais
pessoas. Depois fomos entender o que aconteceu: foi muito engraçado,
no dia do evento um rapaz perguntou: “onde compro fichas para as
bebidas?”, ficamos surpresos e então o amigo do rapaz deu um tapa na
cabeça dele e disse: “imbecil, não precisa de fichas, é uma festa open bar,
do inglês bar fechado”, então olhamos um para o outro, colocamos as
mãos na cabeça e percebemos que eles não sabiam o que era o conceito
open bar. Virou experiência, quem sabe algum dia no futuro poderemos
fazer de novo;
meu amigo já voltou algumas vezes na cidade, e até hoje
perguntam da festa que só foi lá uma única vez, se voltaria algum dia,
virou história da cidade (risos).
Durante a faculdade abri algumas empresas de internet, algumas deram
errado, outras deram certo. Em 2015, estava cansado e estagnado no local
onde eu estava, vi que o mercado estava em baixa, então fiz uma seletiva
de países que me interessaria morar, busquei vagas em que eu me
encaixava e disparei diversos currículos, recebi várias respostas, mas
passei por mais uma experiência negativa: uma entrevista por Skype, isso
não se faz nunca com um programador (risos) não há condição de realizar
esse tipo de teste à distância e nessa condição, porque não é assim na
vida real. Esse foi o prego no caixão, vi que era um processo muito
humilhante e então decidi reunir todos os “freelas” que eu fazia,
pensando “vai que, né?” e então criei a Kingly Studio. E desde de 2015
estamos aí, nosso aniversário oficial é em setembro que é quando fomos
para o nosso primeiro escritório. Todo dia é uma luta diária (risos) mas
está dando certo.
Fatec: Quais os principais desafios que você enfrentou para criar sua
própria empresa e para mantê-la no mercado?
Leandro: Pensando no caso da Kingly especificamente, pois o mercado
varia bastante. A área de serviço é complicada. Por exemplo, se você tem
uma empresa de limpeza, a pessoa está vendo o serviço, paga X reais em
troca de sua casa ou empresa limpa. Agora no nosso caso, fazemos o que
a pessoa quiser, um site que dê pirueta, um aplicativo, o que o cliente
desejar. E vendendo algo tão abstrato, como você coloca preço nisso? Os
clientes muitas vezes não sabem o que querem e acham que tudo é fácil!
Se você faz orçamentos com empresas de limpeza, e recebe um de 95,
outro de 100 e outro de 105 reais, você sabe que a média é essa. Em
programação, você pode pedir um orçamento de um aplicativo e receber
um de 3 mil, outro de 60 mil e outro de 150 mil reais. E você não sabe se
estão cobrando caro, se estão cobrando barato porque não vão conseguir
entregar. Acontece muito no mercado também, uma empresa por ter um
bom nome, cobra um valor alto e terceiriza. Mas se uma empresa
pequena cobra um valor alto também, já é visto com estranheza. Uma
coisa engraçada que conversava com um amigo esses dias, quando você
aprende algo por gosto, é difícil dizer quanto vale o seu trabalho. Então
eu penei um pouco, até saber cobrar um valor justo pelo trabalho.
Vendemos horas de trabalho, teoricamente, eu posso vender por mil reais
a hora se eu quiser. No começo, quando se é jovem, 100 reais é 100 reais
(risos) e algo muito comum nessa área também é uma troca de serviços. O
principal problema nessa área é a barreira de entrada, por exemplo, para
abrir uma empresa de produção de etanol, você precisa comprar uma
indústria, é uma barreira de entrada muito alta. Em desenvolvimento e
programação, qualquer pessoa formada pode fazer o serviço, sem
escritório, isso gera uma concorrência violenta. Muitos por estarem
começando, cobram um terço do valor normal de um trabalho e então
gera o que chamo de “síndrome do sobrinho”, o pessoal rebate sua oferta
dizendo que tem a proposta de alguém que faz mais barato. Indicamos a
fazer o que ela preferir, sem ressentimentos. Entre dez que optam pelo
mais barato, nove voltam com problemas na execução do projeto e
pedindo ajuda, já que estão sem o dinheiro que tinham no início. E muitas
vezes nos vimos obrigados a pegar serviços aceitando ofertas de valores
menores que o justo, para poder pagar as contas do mês. Então, a principal
complicação é realmente saber cobrar e ter portfólio. Nessa área conta
muito o networking, então sabendo cobrar e encontrando o cliente certo,
se cria uma confiança, onde nós relevamos algumas cobranças adicionais,
e o cliente releva alguns atrasos nos prazos. E o efeito é crescer,
geralmente esses clientes compartilham com outros, até chegarem as
empresas realmente grandes. Mas claro, até chegar a esse ponto é preciso
penar e pegar pequenos projetos. Concluindo, as principais questões são
networking, ter diferencial perante a tanta concorrência, exercer com
qualidade e sabendo cobrar pelo seu trabalho.
Fatec: Existe algum segredo para a elaboração de uma boa ideia de
negócio?
Leandro: Hoje em dia, qualquer ideia pode funcionar. Na verdade, ideias
mais simples são mais fáceis de funcionar. As pessoas têm muito isso de
“meu negócio tem que ser o novo Facebook”, não o seu negócio não
precisa ser. No empreendedorismo há várias correntes que mostram que
quanto mais nichado for o seu negócio, melhor. Aí chegamos no ponto,
que você prefere, ter 1 milhão de usuários que não te pagam, ou 10 mil
que pagam X todo mês? Vemos fortunas serem formadas, principalmente
na internet, com os influenciadores digitais por exemplo, que dizem que
abrir uma empresa é a solução para pessoas que não querem ter chefes e
serem mandados. Mas o empreendedorismo não é para todos. A pessoa
tem que ter muita garra, ser resistente e resiliente. É muito importante
estar firme no objetivo, mas é preciso saber também a hora de parar, não
de empreender, mas de uma ideia, e não insistir e persistir numa ideia
onde já se passou anos, e nada vingou. Então é importante saber a hora
de abandonar uma idéia. Ingenuidade é muito importante. Você acreditar
sem medo que a ideia pode dar certo. Stevie Jobs dizia muito isso “Move
fast, break things” (Mova-se rápido, quebre coisas), sobre não parar e
continuar mesmo falhando, mesmo que falhe 100 vezes. Ser cabeça dura
pode fazer você apanhar muito na vida, então tem que ser flexível e não
parar. Empreendedorismo pode sim ser desenvolvido, mas é preciso
tomar cuidado nesse desenvolvimento, como vários cursos que vemos, e
chamamos de “empreendedorismo de palco”, pessoa fala tudo muito
bonito, mas não tem empresa. É preciso tomar cuidado com essas
pessoas, com essa de “venha realizar seu sonho”, eles fazem parecer tudo
muito fácil, em aulas de obviedades, falando de um jeito bonito. Se você
simplifica, são coisas que sua mãe te fala desde os 5 anos. E uma coisa
engraçada, é que pra mim, se tornam os melhores empreendedores
aqueles que aprenderam a ouvir os pais. Eu por diversas vezes, quando
minha mãe dizia “pera aí, isso não vai dar certo” e eu respondia “mãe,
você não sabe disso, você não é empreendedora” (risos), quebrei a cara.
Nada como experiência de vida.
Fatec: Ouvimos muito na faculdade que “crise é oportunidade”, concorda
com essa afirmação? Como você vê a instabilidade econômica do país, no
ponto de vista de quem está começando um novo negócio?
Leandro: Crise é oportunidade por diversos motivos. Não lembro quem
disse isso, agora, mas era um empresário, que disse que “Você não
empreende quando tem trabalho. Você empreende quando está com o
aluguel atrasado há três meses, tem que pagar a escola do filho, e não
tem dinheiro para nada disso”. Na crise econômica principalmente,
aparecem oportunidades de necessidades diferentes. E pode sair algo
bom, quando você tem dinheiro, não se preocupa com o destino do
dinheiro, podendo bancar as coisas que faz e sobrando um pouco no final
do mês, está ótimo. Quando está apertado, precisa fazer cortes. Nas
empresas, fornecedoras ou clientes, é a mesma coisa, eles cortam custos e
se você é terceiro, é o primeiro a ser dispensado. E aí é o algo bom que
pode sair, quando para se enquadrar e manter seus serviços ativos,
encontra uma forma de reduzir custos e cobrar menos, ou aprimora o
serviço para o valor não ser questionado. É uma oportunidade também
para fazer parcerias, o que cobre a falta de recursos. Gosto muito de um
projeto da Ambev, chamado “orçamento base zero” onde os caras tem
que começar um projeto realmente do zero, buscando patrocínios ou
parcerias, num sistema de troca de tarefas. Tem também aquele grupo de
comediantes, Monty Python, quando eles fizeram “Em busca do cálice
sagrado”, eles estavam tão zerados de recursos, que tiveram que mudar o
final do filme! No final, o filme era sobre a época do Rei Arthur e tal, então
eram vários cavaleiros, que logicamente precisavam de cavalos, e eles não
tinham, então o que fizeram? Colocar duas pessoas de fundo fazendo o
barulho do casco do cavalo, batendo cocos. Era um filme de comédia,
então adoraram, o filme se tornou icônico e quando perguntaram de onde
veio a sacada extremamente original, eles disseram que não foi uma
sacada e sim a única alternativa diante da falta de recursos. Claro, no
mundo econômico pesa não ter dinheiro, mas isso pode fazer você
encontrar alternativas. É melhor criar uma empresa nesse cenário,
aprendendo de cara como trabalhar no momento difícil, e depois
desfrutando da estabilidade, do que criar num cenário favorável, e depois
não saber como lidar diante de uma crise.
Fatec: Para finalizar, na sua opinião, quais são os principais erros que
empreendedores iniciantes cometem? E como esses erros podem ser
evitados?
Leandro: Eu acredito que o principal é ir com muita sede ao pote. As
pessoas querem criar coisas grandes logo de cara, e vendo as empresas
consolidadas de hoje, é ruim empreender nesse sentido, se comparando
com a tecnologia tão avançada e a estrutura dessas grandes empresas, as
pessoas se comparam e pensam “nunca vou chegar nesse nível”. Mas o
Facebook e o Twitter quando começaram, tinham um design horrível algo
cheio de bugs. Você tem que saber que não se começa grande. Está certo
que quando alguém tira uma carta, cola um adesivo no carro “Paciência,
recém habilitado”, no app não existe isso (risos) alguns desenvolvedores
até colocam na brincadeira, se encontrar um bug te pagamos um café,
uma cerveja, mas pra quem está baixando, o app é o app, independente
de quem faça. Mas o que tem que se pensar é isso, que o Facebook não tinha
timeline, upload de fotos, não era nem de longe o que é hoje… então não
pode fazer algo de qualquer jeito, mas também não se pode exagerar,
acontece com vários clientes nossos, e alertamos “o escopo não está
muito grande?”, isso requer mais investimento, mais tempo, o que
dependendo do mercado, 2 ou 3 meses a mais pode custar o timing da
coisa. Você mesmo acaba inviabilizando. E em qualquer trabalho, onde
você gastará mais é com o seu sistema, se não tiver um sócio
programador. Na escola, eu dei aula de empreendedorismo, e tem algo
que chamamos de “prova de conceito” ou MVP, que é o mínimo que você
precisa ter do seu produto, para validar seu projeto, seu conceito. Não
precisa ser da maneira mais bonita, nem mais automatizada, só tem que
funcionar. E tem um caso muito famoso, de um e–commerce de sapatos,
hoje, gigante nos Estados Unidos, o Zappos. Em 2004, o e–commerce
estava iniciando, não era tão fácil comprar, e ainda mais calçados, o cara
não ia investir uma fortuna nisso para não dar certo, era burocrático e não
tinha na época o wordpress, era preciso contratar um cara para
desenvolver tudo. Ele também não tinha como fazer inventário. Então, o
que ele fez: ele ia nas lojas de rua mesmo, tirava fotos dos calçados,
colocava as informações de cor, tamanho, num blog, as pessoas faziam o
pedido, depositavam para ele e, então, ele enviava pelo correio. Depois de
vender mil pares, ele parou e “Ok, as pessoas não têm problema em
comprar calçados pela internet, agora posso investir”. Tem clientes que
investem muito, em um caso específico levamos mais de um ano para subir o
site, e depois de um mês não era o que eles pensavam, porque não
validaram. Então, justamente por ideias não valerem nada, discuta com o
máximo de pessoas possíveis, pergunte se elas iriam aderir. Receba o
feedback das pessoas, principalmente da área e não tenha medo de
falhar. É preciso toma cuidado também com o glamour. A pessoa se sente
bem em dizer que é empreendedor, gasta meses em plano de negócio quando já
poderia ter iniciado o projeto. Execute a ideia e não perca tempo, isso é importante
para que os erros sejam logo corrigidos, caso aconteçam.